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Retinoblastoma – Com prótese ocular, mas sem luva de pelica

Outubro 2012

Como vivem as crianças com cancro ocular?

 

Retinoblastoma children eye cancerRetinoblastoma. Uma palavra apenas, uma palavra que poucos conhecem ou que já ouviram. Mas basta o seu som para nos assustar e causar receio. Quem a ouve pela primeira vez na vida da boca de um médico nunca esquece esse momento. Isto é o que poderão ter sentido os pais de Julia Fischer, uma criança da Renânia, na Alemanha, hoje com 5 anos. O retinoblastoma é um cancro. Trata-se do tipo de cancro ocular mais comum nas crianças, sendo um tumor maligno na retina. Uma vez que o retinoblastoma só consegue crescer em células da retina imaturas, o tumor ocorre apenas em crianças até aos cinco anos. Ora esta é a descrição que podemos encontrar na literatura médica; quanto a Julia, nasceu com cancro ocular infantil.

“Sempre a desejei.”

A gravidez correu sem incidentes e o parto da Julinha foi muito simples. «Foi tudo tão fácil», revive Charlotte Fischer*, mãe de Julia, sorrindo como se tivesse sido ontem. Charlotte e Sebastian, o marido, já tinham duas filhas saudáveis, então com nove e oito anos. A expetativa pela chegada de Julia era grande e todos estavam muito animados. A história podia terminar aqui, mas Charlotte Fisher descreve-a tal como só uma mãe o poderia fazer: «Havia mais alguém que se queria juntar a nós. Eu sabia que esta criança estava lá, e sempre a desejei.» Em agosto de 2006, num hospital da Renânia, na Alemanha, nasceu Julia. A «casa das três meninas» era agora perfeita.

Para melhor compreendermos a história de Julia, é preciso saber que tipo de criança é: uma menina inteligente, alegre, forte, uma criança que tem imenso amor para dar e irradia vitalidade. É assim que Charlotte Fischer descreve a filha. Contudo, nessa altura, Charlotte e o marido não faziam ideia de quão importantes estas qualidade se tornariam na vida da filha. Nem mesmo quando, durante as férias de verão, em 2007, um amigo da família notou que «a criança entortava os olhos» e os aconselhou a «levá-la a um oftalmologista».

Não há nada de invulgar em uma criança pequena entortar os olhos de vez em quando. Mas, claro, assim que as férias terminaram, os pais de Julia levaram-na a um oftalmologista em Düsseldorf. Foi a 13 de agosto de 2007 – uma data que ficou marcada a ferro na memória dos pais. Julia tinha um ano. Depois do exame, no consultório, apenas foi dita uma frase: «Há aqui qualquer coisa.» A família foi encaminhada para o hospital universitário de Essen, porque lá «existiam especialistas», afirmou o oftalmologista, «e lá poderiam ver». Os pais seguiram para Essen nesse mesmo dia. Charlotte Fischer lembra-se da primeira ida a Essen, ainda sem qualquer diagnóstico específico do médico que os tinha encaminhado, mas cada vez mais apavorada. «É impossível descrever o medo que senti quando, no elevador, ouvi anunciar, entre campainhas, “departamento de terapia e oncologia da visão”». Mãe nenhuma pensaria neste tipo de lugar ou desejaria alguma vez entrar nele com o seu próprio filho nos braços.

A vida, tal como a conhecíamos, desapareceu num segundo

A Julia é examinada com todo o detalhe. Três médicos realizam os exames. Está explicado o fenómeno da pupila branca que pode ser vista nas imagens de bebé de Julia: a pupila da menina não se ajusta, não responde à luz. Por fim, um dos médicos faz o diagnóstico: «Retinoblastoma. Tumor maligno da retina. Em ambos os olhos.» Cada frase foi um golpe. Charlotte Fischer afirma «Gritei, chorei, mas o meu marido manteve-se racional e calmo. Dois polos que se complementam.» Charlotte acrescentou ainda: «A nossa vida ia mudar. Foi a primeira coisa que percebemos.»

Quimioterapia ou radioterapia?

Será que uma criança de cinco anos já é suficientemente forte para lidar com as adversidades que a vida humana lhe reserva? Aparentemente, Julia Fischer é. Quando, a 20 de agosto de 2007 – precisamente uma semana após o diagnóstico de cancro –, acordou da anestesia após uma cirurgia de duas horas no hospital universitário de Essen,  o olho direito tinha-lhe sido removido. Ficou apenas um buraco negro. Mas a menina não chorou nem soluçou, suportou. Na semana que mediou entre o diagnóstico e a cirurgia, o lar dos Fischer esteve em estado de emergência. Todos estavam sob uma tensão impossível, sem esquecer as irmãs mais velhas de Julia. Sebastian Fischer pesquisou toda a bibliografia relevante e telefonou a especialistas do mundo inteiro. «Queria saber e compreender tudo, conhecer cada detalhe», disse. Ele devia-o à filha. E foi este sentimento que o moveu e que o manteve a pé durante seis longas semanas. Pesquisou 24 horas por dia até cair de exaustão e não poder continuar mais: «Foi aí que comecei também a chorar, durante a noite não conseguia travar as lágrimas», conta-nos com calma. Ele chorou muitas horas: «Não se tratava apenas de uma doença que eu tentava entender em todas as suas facetas, era a minha própria filha que estava em causa e por cuja vida eu estava a lutar.» Silêncio. A conversa termina.

Sebastian Fischer, biólogo e jurista, tornou-se um especialista com quem os médicos da filha podem quase falar de igual para igual. A sua mulher recorda o que um médico lhe disse uma vez: «Pergunte ao seu marido.» Os médicos assistentes não sugerem qual deve ser o tratamento, cabe aos pais tomarem eles próprio a decisão: O que acontecerá à sua filha? Que tratamento deve Julia receber? Quimioterapia? Radioterapia? Quais são os riscos? «Quem nos ajuda a decidir? E o tumor no segundo olho? Pedimos para que seja removido também e privamos a nossa filha de visão?» O tipo de decisões que os pais têm de tomar é inconcebível.

«A vossa filha guia-vos.»

Mas, pela filha, e graças à ajuda de muitos amigos que com eles analisaram as coisas nessa primeira semana, até altas horas da noite, ambos encontraram uma orientação. Entre as crises terríveis, sobretudo para Charlotte Fischer, que não sabia como a filha poderia suportar tal destino, uma amiga, também mãe de um filho doente, dá-lhe uma resposta comovente: «A vossa filha guia-vos.» O que parecia tão transcendente acabou por se revelar verdadeiro nas semanas e meses que se seguiram. Julia resiste ao destino, à primeira prótese ocular e à radioterapia.

Mas ainda tem um longo caminho pela frente – ainda lhe falta a radioterapia no segundo olho. Durante semanas, mãe e filha vivem no hospital. A 50 km dali, na sua casa de família, o pai, com o pensamento sempre em Essen, tenta aguentar a situação com as duas filhas mais velhas. Charlotte Fischer descreve o local de encontro para os pequenos doentes de cancro como um mundo paralelo. Algures nas catacumbas do hospital universitário, as crianças – carecas, umas assustadas e exaustas, outras calmas, outras a choramingar – estão sentadas com os pais, à espera de serem chamadas. Charlotte relembra este tempo, faz agora quatro anos: «Sentia-me frequentemente desamparada e o medo ainda vem e vai.» A sua vida tornou-se mais rica, mas menos despreocupada. Mãe e filha regressam regularmente a este mundo paralelo, ao hospital universitário de Essen, ao elevador, ao departamento de oncologia.  A cada três meses, Julia tem de fazer um check-up: O que para Charlotte Fischer representa uma enorme tensão psicológica, para Julia é «quase uma festa», pois o seu cestinho de jogos vai sempre com ela – e Julia adora estes jogos. A mãe sabe que estes brinquedos ajudam a filha agora, mas também, quando for crescida e recordar este momento da sua vida, a ajudarão a ter uma imagem boa de tempos tão negros. As pessoas necessitam de imagens, e de imagens belas. Charlotte Fischer está convencida de que «podem ajudar-nos a curvar-nos perante o nosso próprio destino.» Isto é muito bonito, pois transmite-nos esperança e otimismo.
 
Sabine Künzel