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Síndrome do X-frágil: a visão de duas gerações

Maio 2011

Mother & childElisabeth* tirou uma licença de dois anos quando o seu segundo filho nasceu em 1998, pois queria passar tempo com ele. «Ao passar todos os dias com Paul*, eu pude ver que ele era diferente. Afastava-se de companhia e foi claramente doloroso para ele quando comecei a deixá-lo na creche durante uma hora ou duas. A separação estava a revelar-se muito mais difícil e dramática para ele do que para os outros miúdos», recorda Elisabeth.

 

Elisabeth tentou alertar a família e o médico, mas obtinha sempre as respostas típicas: «não se preocupe» ou «se calhar tem a ver com a forma como educa a criança». Quando Paul entrou no pré-escolar, o pediatra decidiu finalmente realizar alguns testes e um cariótipo. «Lembro-me de pensar que os resultados me tranquilizariam de uma vez por todas, pois parti do princípio que seriam negativos.» Infelizmente, não foi o caso. Paul foi diagnosticado com Síndrome do X-frágil quando tinha 2 anos e meio. «Senti-me como se o mundo se tivesse virado de pernas para o ar.»

 

AntoineForam necessários mais de 10 anos para que Antoine e Sebastien obtivessem um diagnóstico correcto. Ambas as crianças são filhas de Viviane, enfermeira, e nasceram após gravidezes difíceis, em 1979 e em 1981. Sebastien era hipotónico e só começou a andar aos cinco anos, foi mal diagnosticado com autismo e hidrocefalia; Antoine exibiu um desenvolvimento normal, começou a andar aos nove meses, mas era hiperactivo. «Tinha um filho que se escondia atrás da porta a brincar infindavelmente com um pratinho, e outro que corria por todo o lado e batia com a cabeça nas paredes», explica Viviane. Quando entraram no pré-escolar, a equipa docente sentou-se com Viviane e perguntou-lhe «o que é que se passava de errado em casa para os dois rapazes serem assim».

 

Sebastien«Estávamos isolados. Fiz terapia durante cinco anos, o meu marido fez terapia e até os rapazes iam ao psiquiatra. Uma parte da nossa família rejeitou-nos.» Após assistir à Téléthon em 1987 e ouvir histórias que se assemelhavam à sua, Viviane decidiu contactar um geneticista. «Eu e o Sebastien fomos hospitalizados durante oito dias e fizeram-nos muitos e dolorosos testes. Três meses mais tarde, uma carta de rotina informou Viviane de que Sebastien sofria de X-frágil, de que a doença era hereditária, genética e de que toda a família devia fazer testes. «O que eu chorei por ter percebido que tinha transmitido aquilo aos meus filhos! Não havia ninguém que nos dissesse o que fazer, por onde começar e, na época, em 1989, não havia nada sobre X-frágil.» Viviane e os seus filhos foram as primeiras pessoas a ser diagnosticadas na região francesa da Baixa-Normandia e concordaram em ser estudos de caso. Um ano mais tarde, Viviane e o seu marido Xavier criaram a primeira associação de doentes com síndrome de X-frágil em França (e na Europa), a Le Goëland.

 

Uma década mais tarde, quando Elisabeth estava a tomar conhecimento da doença do seu filho, muitas coisas tinham mudado. O gene FMR1 responsável pela síndrome foi descoberto em 1991 e a associação de doentes Le Goëland – que muito fazia para sensibilizar o público – já existia, mas mesmo assim não foi prestado muito apoio a Elisabeth quando o diagnóstico do seu filho lhe foi anunciado. «O pediatra não disse muito e eu não alcancei a realidade da situação. O meu filho sofre de uma forma de X-frágil em “mosaico” e, fisicamente, estava bem. Não estava preparada para o que lá vinha.» Um geneticist deu os contactos da Le Goëland a Elisabeth e ela rapidamente se encontrou com outros pais e se envolveu. «Todos queremos o mesmo: ser confortados por outros pais, ouvir falar de vidas quotidianas que se assemelham às nossas, ajuda para confrontar os nossos medos, a nossa culpa», afirma Elisabeth.

 

Viviene dá o mérito à equipa «incrível» que a rodeou a ela e à sua família. «Os meus colegas, os geneticistas, os médicos e os terapeutas permitiram à minha família ser forte, manter-se junta e enfrentar esta síndrome, que eu considerava como um estranho que se estava a intrometer na nossa família e a obrigar-nos a viver segundo as suas leis.» Infelizmente, Elisabeth não teve este apoio. O marido deixou-a pouco depois do diagnóstico e ela teve de lidar com tudo sozinha. Durante três anos, tentou resolver a situação. «Paul era seguido em ambulatório e frequentava a escola duas manhãs por semana. Os outros pais queixavam-se por ele perturbar as outras crianças, não havia qualquer tolerância na escola e no hospital e ele apenas estava a ser mantido ocupado», recorda Elisabeth. Esta mãe de dois filhos decidiu mudar-se e encontrou uma escola maravilhosa em Châtelaillon, onde possuem uma aula integrada na escola para crianças com necessidades especiais (CLIS). Paul foi bem cuidado, envolvido em muitas actividades, fez amigos e adorou cada minuto que lá passou. Mas, no ano passado, entrou na escola secundária. «Andava perdido; ficava na escola apenas duas horas antes de o enviarem de táxi para outro lado onde não fazia nada. Teve duas crises; a escola enviou-o para o hospital psiquiátrico, onde foi drogado e ficou durante alguns dias. Depois, expulsaram-no durante dois dias!», recorda Elisabeth. 

 

Após anos à deriva, sem diagnóstico, Viviane passou anos à deriva sem cuidados. Não existiam aulas de ensino integrado e qualquer criança que repetisse um ano escolar era imediatamente enviada para o Instituto Médico e Educativo (IME). Nos IME, o diagnóstico era mesmo tabu! «Há vinte anos, era sofrimento suficiente ser-nos dito que tínhamos um filho deficiente; porque é que ainda por cima se lhe havia de pôr um nome? E assim os meus filhos ficaram no IME, tratados como todos os outros, e pagámos terapeutas privados.» Viviane e Xavier continuaram a trabalhar a tempo inteiro para conseguir proporcionar os cuidados correctos aos seus filhos. Viviane fazia turnos à noite e Xavier trabalhava durante o dia. Foi necessário muita paciência, planos, organização militar, disciplina, fé e quatro anos até que Sebastien e Antoine entendessem o significado do tempo. «A minha energia é proporcional ao choque de ser uma mãe que transmitiu a síndrome aos seus filhos», afirma Viviane, que desempenha agora a função de presidente da Alliance Maladies Rares. Antoine e Sebastien trabalham ambos em Centros de Trabalho Especial (CTE), onde a antiga criança hiperactiva emprega a sua paixão na solda de precisão!

 

Paul voltou a mudar de escola e está agora num colégio interno, a quatro horas de automóvel de casa. «É difícil estarmos separados. Não consigo mantê-lo em casa porque seria demasiado dispendioso, não posso mudar de casa porque é aqui que tenho o meu emprego, pelo que não tenho escolha», lamenta-se tristemente Elisabeth.

 

*Os nomes foram alterados


Este artigo foi originalmente publicado no número de Junho de 2011 do boletim informativo da EURORDIS.
Autor: Nathacha Appanah
Tradutores: Ana Cláudia Jorge e Victor Ferreira
Fotos: © EURORDIS & V.Viollet